Da binariedade à não binariedade: aspectos irrefutáveis da vivência de pessoas Trans no Brasil.
- Saturdayss Brasil
- 19 de jun.
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Atualizado: 19 de jun.
Desde antes do nascimento, quando ainda está acontecendo a formação do embrião e já é possível observar a genital da criança, somos classificados de acordo com o sexo. O sistema binário (onde há apenas duas opções) de gênero, sugere que só existem duas categorias nas quais as pessoas devem se encaixar. Não existe consulta, não existe conversa: você é o que decidiram que seria ao nascer, até mesmo antes disso.
A transgeneridade é um contraponto a esse sistema. Pessoas trans (transgênero ou transexuais) são aquelas que não se identificam com o gênero designado no nascimento, ou até mesmo não se encaixam em nenhum outro gênero, seja ele binário, ou não.

Gênero é construção, é performance.
Quando o assunto é performance de gênero, algumas pessoas podem acabar se encontrando presas na linha tênue entre o que é feminino e o que é masculino. No mundo atual, o conceito de exclusividade ou pertencimento de coisas, objetos, roupas ou adereços a uma só categoria de gênero vêm se esvaindo e criando cada vez mais uma amplitude de formas de se expressar.
Ao se fazer uma análise comportamental da sociedade ao longo dos anos, podemos perceber que o conceito de masculinidade e feminilidade muda de acordo com a época. Enquanto houve época em que era comum homens utilizarem saias e maquiagem, em outra — mais próxima dos tempos atuais — essa conduta pode “desmasculinizar” o homem. Logo, vale ressaltar que o conceito de gênero é mutável e parte de uma construção social.
O mesmo acontece com a comunidade trans quando colocada para interagir com a sociedade.
Enquanto algumas pessoas possuem bem construído em seu inconsciente o que é feminino e masculino — e transicionam binariamente —, existem aquelas que não se encaixam em só uma das opções, ou até mesmo em nenhuma. Assim, temos a construção de uma pessoa não binária.
Ao analisarmos o gênero como uma performance, conseguimos entender melhor as diferentes nuances entre pessoas. Existem mulheres cis (que se identificam com o sexo biológico), por exemplo, que não são consideradas femininas, assim como existem homens cis que não são considerados masculinos. Entender que o conceito de gênero está mais atrelado ao contexto social em que se está inserido, é o primeiro passo para compreender as diferenças humanas e, com elas, o conceito de transgeneridade.

Transição de gênero: entenda um dentre os vários tópicos sensíveis dentro da comunidade trans
O conceito de masculinidade e feminilidade, com certeza, é um assunto que pode render horas de debate — em um contexto saudável. Alguns sugerem que não são conceitos a serem levados em consideração, outros apontam como fatores importantes na formação do indivíduo. Mas o consenso é que, existindo ou não, eles não podem ser limitantes ou opressores.
A transição de gênero é um processo que pessoas trans passam. Funciona quase como uma redefinição de quem se é. Para alguns, é o corte do cabelo, a mudança no guarda-roupas e a troca dos pronomes. Para outros, hormonização e cirurgias. Porém, não é obrigatório que pessoas trans venham a transicionar. A transição é uma escolha, e não recorrer a ela não torna alguém mais ou menos trans, afinal, se o conceito de gênero é uma performance, existem diversas formas de se performar o mesmo gênero, não concordam? E ao mesmo tempo, existem diversas formas diferentes de performances de outros gêneros, que vão além do tradicional “homem / mulher”.
A sociedade tende a ser mais receptiva com pessoas passáveis — termo utilizado na comunidade trans para pessoas trans que não parecem ser trans, que mais parecem uma pessoa cis — o que leva pessoas trans a, muitas vezes, se sentirem forçadas a transicionar para conseguir lidar melhor com a disforia de gênero, como alerta a American Psychiatry Association: “Algumas pessoas transgênero experimentarão "disforia de gênero", que se refere ao sofrimento psicológico resultante de uma incongruência entre o sexo atribuído ao nascer e a identidade de gênero”. (INFO)
O tópico da transição é sensível e deve ser abordado com o maior cuidado possível. Existem pessoas trans que não gostam, não conseguem ou não sentem coragem o suficiente para falar sobre isso. Ter cuidado e respeito ao entrar no assunto — caso vá interagir com uma pessoa trans — é essencial. Porém, vale reafirmar: a transição não é necessária para fazer de uma pessoa, trans. Ela é um processo que pode ocorrer, porém não é uma obrigatoriedade.

A importância do apoio e compreensão de pessoas em relação à causa
É natural do ser humano acreditar que só deve se preocupar com suas próprias pautas e questões, porém, socialmente, nada se faz sozinho. Isso explica a importância de pessoas não trans se juntarem à comunidade em mobilização. O poema “É preciso agir” de Bertolt Brecht mostra como é necessária a movimentação social em prol de causas, mesmo que não sejam suas pautas, pois um dia, pode acabar sendo sobre você e não haverá mais quem reste para lutar ao seu lado.
Diariamente, a comunidade trans sofre com diversos problemas sociais, sendo obrigada a lutar para conseguir o mínimo de dignidade como, por exemplo: ter o próprio nome em seus documentos, andar na rua sem medo de sofrer algum tipo de violência e, até mesmo, utilizar o banheiro em locais públicos.
Além de não possuir alguns direitos considerados básicos pela humanidade, estão cada dia mais perdendo os direitos que foram conquistados com muito esforço após anos de invisibilidade.
A Transfobia brasileira em dados
Segundo um dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), o Brasil continua na posição de país que mais mata pessoas trans no mundo, mantendo essa posição pelo 16° ano consecutivo. Por mais que exista uma queda visível no número de casos — queda de 16% em 2024 —, o Brasil ainda segue na liderança com o maior número de casos, sendo a maioria deles de forma extremamente violenta.
Frequentemente são reportados casos de violência verbal, psicológica e física a pessoas trans. Além disso, pessoas da comunidade ainda em idade escolar, entre 13 e 15 anos, estão mais propícias a serem expulsas de casa por conta da transfobia dos genitores, o que refletirá em um adulto com menores chances no mercado de trabalho. O ato de abandonar sua prole apenas por ela não possuir o gênero condizente com a genital grita a urgência de pessoas apoiando e buscando entender mais sobre a Transexualidade em um país tão diverso quanto o Brasil.
Sob a perspectiva de Jeff Satur
Conhecido por seus papeis em séries BL — alguns mais populares que outros —, Jeff Satur é um grande apoiador da comunidade LGBTQIAPN+.
Fascinado pelo conceito “Sem fronteiras”, o artista busca levar sua arte a todo tipo de pessoa, independe de onde vem, de quem ama, de quem é e do que acredita.
“As palavras ‘garoto’ e ‘garota’, definem o gênero apenas para o medicinal. Isso não define quem nós somos e quem nós amamos.” disse o artista quando questionado sobre qual era sua opinião sobre seu personagem, Kimhan, da série Kinnporsche La Forte, e como se sentia sobre a sexualidade dele.

Em síntese, como é possível evitar antigos pensamentos e comportamentos transfóbicos?
A comunidade trans, vai além de pessoas binárias. Não existem apenas homens e mulheres trans ou travestis. Existe uma gama de pessoas, agênero, gênero-fluido, bigênero, dois espíritos, e etc. Pessoas que lutam dia e noite para serem reconhecidos — pois às vezes são invisibilizados até mesmo dentro da própria comunidade. Entender que as pessoas são diferentes e que, em um planeta com mais de 8 bilhões de indivíduos, é impossível todos serem colocados nas mesmas duas caixinhas de gênero é o início para a compreensão e empatia, afinal, pessoas trans ainda são seres humanos.
Se conhecer uma pessoa trans, como abordar temas como transgeneridade e transição?
Temas sensíveis como transgeneridade e transição devem ser falados com cuidado e muito respeito. Caso não tenha propriedade no assunto — caso seja uma pessoa cis — pergunte, sempre com muita educação e sem levar em tom de piada. Às vezes, o que lhe parece engraçado ou estranho é motivo de constrangimento ou sofrimento para outra pessoa. Trate o assunto sobre transição como se trata o assunto sobre mudanças drásticas no corpo e autoestima: com respeito e sem fazer a pessoa se sentir ofendida ou diminuída.
Como explicar que uma pessoa é trans sem dizer que “era uma coisa e virou outra”?
O contexto de ser uma coisa e virar outra não é o melhor a ser usado. Não existe “é uma menina e vira um menino”, nem “é um menino e vira uma menina”. Há quem não se importe com essas colocações, mas para a grande maioria da comunidade pode acabar sendo ofensivo. O ideal é expressar a ideia: é uma pessoa trans, ponto. O conceito de ser uma coisa e virar outra não se encaixa, pois, um homem trans sempre foi um homem, porém trans.
O termo trans, é um guarda-chuva que engloba todos os gêneros, binários ou não binários, de pessoas que não se identificam com o que lhes foi designado em seu nascimento, e é de suma importância entender sobre essa comunidade que sofre violência e preconceito em nosso país.
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Obrigada, Ryan! ♥
Texto maravilhoso e super importante 💛